segunda-feira, 20 de maio de 2013

Broke – Missão cumprida



Os empiristas teorizam que o homem ao nascer é semelhante a uma folha em branco, pronto para receber a tinta de todo o círculo social, os inatistas bradam o contrário, afirmando que personalidade, valores, hábitos, crenças, pensamento e emoções nascem atreladas ao nosso ser. Sinceramente, os da minha raça não são dados à profundas reflexões, apesar de nosso alto QI, preferimos como se diz popularmente: “Cuidar do nosso próprio rabo”. Espera, acho melhor explicar-me. Rabo não é no sentido chulo, é literal mesmo. Sou um Urat, que em nossa língua significa “Seres Honrados”, no entanto, sou mais conhecido como: Cão, cachorro, au-au (odeio esse), fofinho, coisinha e outras contorções linguísticas que só os filhotes de humanos são capazes de imaginar.
Mas, retornando ao raciocínio do início, acredito particularmente que o homem nasce como uma folha pintada por cores vivificantes. Uma soma de qualidades nascentes e conquistadas, mais ou menos, uma ponte entre o empirismo e o inatismo. Nessa folha, cada cor simboliza algo de majestoso que a natureza humana possui: Felicidade, beleza, força, lealdade, amor, paixão, inteligência, caridade e tantos outros dons maravilhosos que existem. No entanto, à medida que os humanos vão crescendo outras cores vão surgindo: inveja, raiva, vingança, ganância e tantos outros sentimentos vis. E, se nada é feito para preservar a bela tela colorida que é a vida, ela torna-se uma grande mancha preta.
Tive alguns uratiens, não consigo traduzir fielmente essa palavra, seria algo do tipo “lealdade linear”, ou seja, alguém em que confia-se plenamente. Vocês usam o horrível nome de “donos”, confundido assim, nossa honra com servidão. Porém, relevamos, pois sabemos que não são tão inteligentes quanto nós.
Sem querer estender muito, como falei anteriormente, tive alguns uratiens e observei que nesse mosaico colorido há um sentimento que pode criar a mais brilhante das cores ou a mais escura de todas: O amor.
Há alguns anos, meu dono resolveu “treinar-me” para uma missão. Destaco o verbo treinar entre aspas, porque jamais fomos treinados, apenas por devoção, fingimos; assim não ofendemos o ego humano. O treinamento consistia em ensinar-me a levar objetos a qualquer pessoa que eu fosse direcionado, aprendi rápido. Depois fomos até uma praça onde colocamos em prática, na verdade percebi que era um teste, modéstia à parte as pessoas me adoraram. Sou um Splitz Alemão Anão, também chamado carinhosamente de Lulu da Pomerânia, com o pelo bem tosado, eis aqui o cachorro mais fofo do mundo. Fazer o quê? Uns nascem para serem feios e bravos, outros para serem lindos, gostosos e galanteadores. Faço parte do segundo grupo. As pessoas me amam, assim como as cadelas.
Enfim, chegou o dia em que finalmente pude ver para que serviria meu treinamento. Chorei de emoção. Estávamos em nossa rua quando meu uratien entregou-me algo diferente dos jornais, bolas e papeis que tinha carregado nas últimas semanas. Foi colocada uma rosa vermelha em minha boca. Encostado em uma mureta meu dono fez um cafuné, por sinal muito bom, e apontou:
— Broke, lá!
Fui em direção de uma linda moça sentada no degrau de uma escada, possuía longos cabelos e grandes olhos negros, riu ao ver-me chegando e fiquei admirado com aquele sorriso. Ela chamou-me:
— Que lindo. Você está perdido amiguinho? — A voz era melodiosa e doce. Fiz meu serviço.
— O que é isso? Oôô uma rosa. Voxe é muito lindo. Oh! Tem um bilhete? — Ela desenrolou o papel e leu em voz alta:
— Você aceita sair comigo? — Notei quando seus olhos encontraram o do meu dono do outro lado da rua. Rindo ela pegou uma caneta escreveu no papel e me entregou. Corri até meu uratien. Pegando-me em seus braços e indo até a moça recebi um duplo abraço e senti o que vocês chamam de felicidade.
Infelizmente nosso tempo de vida é curto comparado aos humanos. E ver o lindo casal consolando as crianças diante da minha inevitável morte, me parte o coração.
No entanto, mesmo na dor, fico muito contente de ter colorido os papéis das vidas deles. Só posso dizer orgulhosamente:
— Missão cumprida.

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