Aço,
sangue e terra. Com essas três palavras os últimos meses poderiam
ser resumidos. Após mais uma vitória, conquistada às custas de
muitas vidas, a guerra findava
e o humor dos guerreiros estava ótimo. O bardo elevou a voz:
— Pelo
quê lutamos?
— Pelo
rei — alguém gritou.
— Pelo
reino — outra voz soou.
— Pela
glória — uma voz sobressaiu-se.
— Por
vingança e espólios — alguém foi sincero. O bardo bradou:
— E
tudo isso tivemos essa noite, irmãos. Então comemorem! Mas, não
sem antes gritar um viva ao homem que tornou tudo isso possível:
Lorde Aron!
Gritos
ecoaram por toda a vila e Lorde Aron aceitou-os com modéstia.
Sentado no meio do acampamento, ele estava com sua filha no colo e ao
seu lado sua esposa e filho. Não parecia o homem que chegara à cidade com sangue até a cabeça, que a simples menção do nome
fazia os inimigos tremerem. A visão era de uma família simples e
feliz, aliás era isso que Aron sempre quis, porém as
circunstâncias o levaram por outros caminhos.
Todos
fizeram silêncio quando ele levou as mãos ao alaúde. Além de
guerreiro, Aron era um músico nato, duas coisas opostas. Ficava
difícil imaginar que as mãos que portavam
espadas e escudos como ninguém, tivessem sensibilidade para um
instrumento tão belo. Ainda mais que, suas músicas jamais
cantavam o gozo cavalheiresco da batalha; não, sua vida já tinha
muito disso para nele debruçar seu dom. A primeira nota soou, a
melodia preencheu sua mente e olhando para sua esposa que amava
mais que tudo, compôs a canção:
És
tão linda que as estrelas ao te verem passar
Caem
de inveja não conseguem suportar,
És
tão linda que as flores ao te verem chegar,
Afiam
os espinhos não conseguem te olhar,
Teus
olhos são tão lindos que a escuridão,
Entrega-se
a luz para não afligir-te o coração,
És
tão bela que,
O
Sol no deserto faz sombra para que passes sem perigo
A
água brota da areia para não ressecar seus lábios lindos.
És
realmente graciosa,
Que até
a palavras lindas que eu iria usar
Esconderam-se
em meio às horrorosas,
Para
não te elogiar.
Lágrimas
escorreram no rosto da esposa homenageada, por todo o local, casais
deram as mãos e trocaram olhares apaixonados. O silêncio durou
alguns minutos até ser rompido por aplausos. A festa recomeçou.
Lorde Aron chamou a esposa e iria para o quarto quando notou seu
filho com o olhar perdido. Viu que ele observava em transe
uma garota que dançava, sempre que ela girava os dois
se encaravam e sorriam. A menina era magra e ágil, diferente das
outras não trançava os cabelos, isso dava-lhe uma beleza selvagem.
Lorde Aron foi à pilha de espólios pegou algo e sentou ao lado dele,
a esposa deixou-os sabendo que era uma conversa de pai e
filho.
— Joseph — chamou tirando o garoto de seu mundo de fantasias. Observou o rosto
do filho assustado, notou que um esboço de bigode surgia,
ele estava se tornando um homem. Isso de certa forma irritou Aron,
pois perdera esses detalhes por causa das guerras, prometeu a si
mesmo que com sua pequena Isabelle seria diferente.
— Sim,
pai.
— O que é
isso? — Entregou o objeto para o garoto que pegou e analisou rapidamente. Respondeu:
— Um
espelho.
— Não,
meu filho. Isso é um coração.
— Não
entendo pai. Coração?
— Sim.
Assim como um espelho o coração vive de reflexos. Dê amor e verá
amor refletido. Dê-lhe ódio, tristeza, deslealdade e isso também
receberá. Compreende?
— Sim.
— Joseph pensou um pouco e inquiriu:
— Mas,
por que tem vezes que damos amor e não o recebemos?
Lorde
Aron pegou o espelho da mão do filho e o jogou no chão partindo em vários pedaços.
— Junte
o máximo de pedaços Joseph — ordenou. Como se montasse
um que quebra-cabeças ele uniu os cacos no chão.
— Agora
olhe para o espelho quebrado e diga o que vê?
— Meu
reflexo.
— Está
igual antes?
— Não.
— Da
mesma forma acontece com o coração. Quando ele é dilacerado, os
pedaços são reunidos com o tempo, mas o reflexo nunca mais
será o mesmo.
— Entendi,
pai.
— Ótimo.
Você é responsável pelos sentimentos que desperta.
Qualquer tolo pode ter um bigode ridículo desses – os dois riram
–, mas, só um homem de verdade compreende isso. Não brinque com o
coração das mulheres, ser sincero com elas é ser verdadeiro com
seus próprios sentimentos. — Joseph, assentiu pensativo. — Agora
levante-se e vá chamá-la para dançar antes que outro o
faça.
E
orgulhoso Aron observou Joseph beijando a mão da garota e logo em
seguida abraçando-a. Enquanto ia para o leito de sua esposa deu um
tapa no ombro do bardo e disse:
— É
por isso que eu luto, meu amigo.