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Imagine



John caminhava entre os escombros de prédios e carcaças de carros quando de um buraco, em um braço do que já foi uma gigantesca estátua, saiu uma moça. Ela assustou-se, deixou cair algumas coisas. John não falou, correu para ajudá-la, ela se afastou bruscamente, porém seus olhos estavam fixos na bolsa repleta de frutas que ele carregava. Percebendo, ele tirou uma bela laranja e ofereceu, ela relutou, olhou desconfiada, mas por fim arrancou-a da mão de Jhon como se fosse preciso roubar e não simplesmente aceitar.

— Se você pensa que darei meu corpo por causa de uma laranja está enganado.

— Seu corpo? Eu jamais pediria isso.

— Também não tenho dinheiro.

— Não quero dinheiro,de nada me serviria. Pegue. — E ofereceu mais frutas.

— Por que?

— Estão sobrando.

— Mas, você nem é brasileiro, dá para perceber pelo sotaque.

— Olhe em volta. Não existem mais fronteiras. Não existem mais brasileiros, argentinos, paraguaios, japoneses, americanos… Não existem mais países. Somos sobreviventes, somos agora um povo só. — Ela continuava desconfiada, entretanto aceitou. Jhon pegou suas coisas e foi saindo, mas ela gritou, quando ele virou ela jogou uma garrafa com água. Ele agarrou no ar e escutou a moça dizer enquanto corria novamente para o buraco:

— Está sobrando!

John prosseguiu caminhando por um bom tempo. No que aparentemente fora em alguma época uma escola, algumas crianças passaram correndo. Riam e brincavam, não tinham medo por ele ser um forasteiro. Ele correu com elas e gargalhou, ficando espantando como com si mesmo, teria passado o dia naquela brincadeira, no entanto, o pai do pequenino casal apareceu apontando uma faca e arrastou os filhos pelos braços. John apenas sorriu com as mãos levantadas.

— Não há mais necessidade disso. A guerra acabou. — Disse.

— Vá embora! — Gritou o homem.

— Fique em paz.— Ele respondeu. As crianças, escondidas do pai, deram tchau e mandaram beijos. Assim Jhon seguiu seu caminho feliz com aquilo. Finalmente, depois de quase um dia de caminhada chegou aonde queria. Ele tinha avistado do alto do morro um pequeno ponto amarelo em meio ao terrível cinza dominante. Eram flores. Uma curta faixa de terra repleta de flores amarelas. Sentou-se, sentia o perfume, um cheiro que aplacou a alma. Tocou nas pétalas. Tão delicadas…

— Não arranque! — Uma linda jovem segurava uma velha espingarda; mas era nítido que não sabia usá-la, pois tremia bastante.

— Não arranque por favor. Levou muito tempo para que crescessem. — Falou dessa vez quase implorando.
— Eu não iria arrancar. Seria um crime. — Ficaram um tempo em silêncio.

— Você não é daqui. Para onde vai?

— Essa é uma boa pergunta. Não sei para onde vou. Não faço planos para o amanhã, tento apenas sobreviver e ser feliz no hoje.

— Felicidade? No mundo de hoje?

— Olhe para você, apoiando uma arma no chão com o cano voltado para o próprio peito. E por que isso? Para defender simples flores. Isso mostra que você já achou algum alento. — Ela assustou-se quando percebeu a forma que segurava a arma e largou imediatamente, meio sem jeito falou:

— Verdade, vê-las crescer onde eu jamais imaginei que pudesse brotar vida me faz feliz.

Jhon ofereceu uma maçã e como a primeira moça ela também ficou surpresa, mas aceitou de imediato. Novamente ele jogou a mochila nas costas e disse:

— Venha comigo, espalhe suas sementes por outros lugares, quem sabe consigamos tornar o mundo um pouco mais belo. — Ele já tinha percebido o grito por socorro no olhar dela, a jovem olhou para a cabana, para a terrível solidão e por fim fixou-se nas flores. Sorriu.

— Você permitiria que eu fosse com você?

— Não precisa da minha permissão. Agora somos todos livres, esse é um novo mundo. Cruel, mas felizmente não é o fim.

— Você acha que ainda há esperança?

Ele lembrou do sorriso da moça jogando a garrafa d’água, das crianças felizes mandando beijos, do maravilhoso amarelo das flores e viu os olhos da bela jovem na sua frente, sua beleza contrastando com as vestes sujas. Respondeu sentindo um alívio no coração:

— Sempre há esperança!

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