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Aconteceu alguma coisa, pensei. Ficou pior quando deixei escapar a pergunta que nunca deve ser feita a uma mulher:

— Eu fiz algo de errado?

Idiota! É isso que sou. Essa pergunta entra no subconsciente feminino como uma confissão de culpa assinada fazendo rir o carrasco que habita o íntimo delas.

— Ah, você não sabe, Leo? — Ela respondeu com aquele olhar que não tem o poder de penetrar na alma, mas faz o espírito tremer.

Por isso isso martelava na minha cabeça: O que eu fiz? Será que esqueci alguma data importante?

Tinha que buscar a resposta. Fui correndo ao quarto; três palmos na parte trás do guarda-roupa. Puxei a fresta solta e… Lá estava meu tesouro! O caderno onde tenho escrito todas as datas relevantes para ela. 

Aniversário de casamento eu já lembrei, inicio do namoro e primeiro beijo também; Aniversário da sogra… Infelizmente recordei. Primeira mordida no pescoço… Confere. Data do primeiro sonho-de-valsa que dei para ela… Lembrado. Aniversário do Broke, o cachorro que presenciou nosso primeiro amasso na porta da escola… É só em julho. Aniversário das crianças nem tem como esquecer, pois já pediram os presentes. O que deixei passar?. 

Já sei ela mudou alguma coisa no visual!

Coloquei os óculos escuros no rosto para ela não perceber meu olhar inquisidor e deitei na rede na varanda, assim tinha a visão da cozinha e podia observa-la com detalhes.

O que ela mudou? Terá sido os sapatos? Acho que já vi os brancos que estão em seus pés. Não sei bem, ontem ela comprou um par azul e semana passada um preto. Fica difícil. Talvez tenha cortado “dois dedos” dos cabelos… Pelo amor de Deus, quem nota dois dedos a menos de cabelos?.

Será que a roupa é nova? Droga como vou saber se o closet é lotado e ela veste três por segundo antes de sair?.

Novamente aquele olhar terrível veio em minha direção.

Talvez eu não tenha feito nada, continuei com os questionamentos interiores.

Eita será que esqueci a TPM? Calendário, calendário… Não, faltam cinco dias ainda. Meu Deus se sem TPM essa mulher está assim…!.

Tenha calma, Leo!, respirei fundo.

Vamos recapitular. Estava tudo bem até algumas horas atrás quando ela saiu para o shopping para pagar uma conta. O dinheiro eu dei. Disse tchau. Tenho que descobrir.

Eu estava aqui. Assistia à gravação do UFC de sábado que eu tinha perdido para sair com ela. Ah isso ninguém lembra! Na parte mais emocionante ela me chamou. Deve ser do instinto feminino, sempre no clímax do quer que seja resolvem ter uma DR. Quando a bola vai passar a linha do gol elas soltam um “precisamos conversar”. Tenho certeza que no momento que o primeiro pé tocou a lua, em algum lugar, uma mulher deixou escapar uma “essa roupa me deixa gorda”?. 

Entretanto, quando ela perguntou, dessa vez não ignorei, como era uma gravação apertei pause e dei-lhe atenção. Ah, meu Deus, sei o motivo da raiva! Leo idiota como esqueceu-se disso! Do nada ela tinha me perguntado: Estou bonita? Droga além de demorar a responder ainda disse só um: tá.

O problema é que no momento da pergunta centenas de coisas vieram à mente. Não soube responder. Não que Helena seja feia. De forma alguma, sempre que nós saímos eu preciso ser sangue-frio com os carros buzinando ou com os pescoços “quebrando” para olhá-la.

Definitivamente ela é maravilhosa. Mas, demorei em responder. Não me culpem, não foi proposital. Quando ela perguntou a primeira imagem que veio à memória foi da Helena por quem me apaixonei contracenando com a atual.

Não, ela não engordou e sim, vocês dirão que reclamo de barriga cheia. Entretanto, já que leram até aqui tentem pelo menos me entender.

Aquele corpo magro que eu adorava agora estava no estilo panicat, não que seja ruim, mas tenho saudade daquela menina magrela que transparecia fragilidade apesar de ser uma mulher forte e determinada. Sinto falta do seu charme em uma calça jeans de número “teen” e como ela ficava parecendo uma adolescente apesar dos dezoito anos. Hoje é uma poderosa siliconada. O cabelo… Ah esse eu posso falar piamente que não gostei, quer dizer, agora expresso isso apenas em pensamentos, pois quando fiz voz quase nos separamos. Eu adorava deitá-la em meu colo e brincar com seus cachos negros, enrolando-os em meus dedos e sentindo o perfume deles. Agora curto e loiro já não tem a mesma graça.

As lentes verdes também não me agradam, porque raios esconder os grandes olhos escuros que com o brilho lembravam-me uma linda noite? Ela não me escutou nisso também.

A pele morena ainda é a mesma para minha alegria, no entanto, o rosto está sempre carregado.

Agora sei por qual motivo demorei a responder.

Todos dizem que ela está muito melhor, afirmo que é questão de ponto de vista. Para que tanta transformação?

Todavia, precisava remediar meu erro do “tá”, por isso procurei-a. Ela estava no banheiro, já era tarde e preparava-se para dormir.

Ensaiei  uma pequena mentira na busca do perdão, afinal a verdade tinha causado todo o problema.

No entanto, quando toda a maquiagem escorreu pelo ralo, com olhos arregalados eu pude expressar sem qualquer medo e com toda sinceridade: — Meu amor, você é simplesmente linda!

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