quinta-feira, 21 de março de 2013

O Terror de São Vicente – Part II



     — Está proibido até de passar perto da cela. — Disse o prior de minha Ordem Religiosa.

     — Mas, senhor. Os relatos que consegui podem ser importantes para o tribunal inquisitório.

    — Seus relatos são desnecessários. Já há provas o suficiente para condená-lo. — Respondeu severamente Pe. José de Maria, que depois aplacou sua ira e falou-me:

     — Luis, escute o que  digo. É extremamente perigoso escutar o que as forças do inimigo falam. Lembre-se que Henrique era um inquisidor, um dos melhores, chegou até a ser chamado de O Novo Torquemada, no entanto o contato com a Feiticeira Vermelha o corrompeu. Ela foi queimada, mas Henrique passou a servir unicamente às trevas. Sendo assim, não desobedeça mais minhas ordens para sua própria segurança.

     — Está certo, padre. Tem minha palavra.

     Retirei-me ao meu quarto. Foi uma noite terrível. Escutava as diferentes vozes de Henrique dentro da minha mente. Quando fechava os olhos eu ficava perdido em uma floresta, havia murmúrios na escuridão, no entanto, ninguém estava por perto. Acordei, mas os sussurros ainda estavam dentro da minha cabeça. Atormentando-me. Levantei e acendi uma vela, ajoelhei e passei a rezar. Não sei como, mas as chamas começaram a queimar os lençóis, tentei apagá-las, mais aumentaram. Corri para a porta; estava trancada mesmo sem chave. Uma voz ecoou em minha mente:

      Acordaste uma história e ela não repousará antes do fim. Estou esperando-o.

     As chamas intensificaram-se e minha mão pegou fogo. Gritei desesperadamente por socorro enquanto batia na porta. Alguém abriu-a e sai gritando lá de dentro. Quando criei coragem para olhar novamente para o quarto, estava tudo como antes. Não havia qualquer sinal de fogo.

     — Foi um sonho, Luís. Disse para não envolver-se com isso. — Disse-me Pe. José.
     — Mas, e a queimadura em minha mão?

     — Existem sonhos tão reais que perturbam nossa mente. Na agonia você queimou-se no fogo da vela.

     — Não acho que um vela seja capaz de causar um ferimento desses, padre. Não aquilo foi muito real. Pavorosamente real.

     — Não fique alimentando tais idéias ou será pior. Acordaste uma história e ela não repousará antes do fim. Espero-o hoje à noite.

     Vi o rosto de espanto dele quando pulei do confessionário. Aquela voz que escutei por último não era do padre. Sai correndo da igreja em direção da mata. Vaguei o dia inteiro. Não queria de forma alguma voltar para meu quarto. Algo dizia que tudo iria acontecer novamente. Sem que eu percebesse havia escurecido e os sons da floresta já eram ouvidos. Com muito medo comecei a andar rapidamente em direção da vila. Um vulto cruzou meu caminho. Tentei correr, mas fiquei paralisado, se gritei não saiu som. No escuro três vozes diferentes falaram em sincronia:

     — Estou esperando-o. Venha que tudo está pronto para que seu livro continue.

     — Mas, os guardas não deixarão que eu passe e meu livro foi confiscado.

     — Já disse, está tudo pronto. Apresse-se!

     Era um claro ato de loucura, mas o que é um pequeno ato para quem escutava vozes e conversava com sombras? Parti correndo pela trilha que levava à cela. Aproximei-me lentamente para que os soldados não me vissem. Não havia necessidade; estavam todos caídos em um sono profundo. Peguei as chaves no bolso de um dos guardas e entrei. Henrique tinha olhos ansiosos e sobre a mesa o livro esperava aberto. Libertei-o da mordaça e sentei. Notei que o livro tinha respingos de sangue, provavelmente da surra que o preso havia levado.

     — Que bom que veio. — Disse Henrique calmamente.

     — Por que fez aquilo comigo? — Mostrei a mão — Nunca lhe fiz nenhum mal.

     — Ficou com medo? Imagine o que sentirei quando estiver amarrado a uma fogueira? — Antes que eu respondesse ele ordenou: — Escreva! — Novamente seu olhar ficou perdido.

      — Aquele lugar era insuportável — disse Henrique em um som trêmulo — trazia ao meu coração toda a tristeza que já havia sentido, todo a dor pela qual eu passara. Meu desejo era voltar, mas minha missão não permitia covardes, por isso segui em frente.

     — Levava para minha proteção uma espada e uma arma de fogo com apenas um tiro. À medida que caminhava a mata ficava mais escura, mesmo sendo dia, e o silêncio perturbador. Caminhei cerca de uma hora quando finalmente escutei algo, era barulho de água, desviei o caminho e encontrei um rio. Prontamente bebi água e enchi o cantil, na borda colhi algumas frutas saborosas. Sentei-me para descansar um pouco. Acabei cochilando. Naquele local qualquer som era audível por menor que fosse; e acordei com a imprenssão de escutar uma voz. Levantei e fiquei atento. Era uma canção, uma linda e leve voz feminina preenchia todo o vazio da mata. Fui seguindo-a. Não entendia as palavras cantadas, mas possuíam uma beleza sedutora e envolvia-me completamente. Andei pela beira do rio, assustei-me quando um jovem índio passou correndo, corri e alcancei-o fazendo perguntas, mas ele repetia apenas uma palavra: — Uiara! Uiara! — Ele correu desesperadamente para o rio e foi avançando. A água estava chegando ao seu pescoço, no entanto, continuava gritando e indo rio adentro. Estranhamente também sentia-me impelido a segui-lo, cheguei a entrar na água, mas a visão do garoto desaparecendo nas águas profundas despertou-me. Pensei em esperar para ver se o índio escaparia, porém, percebi que se continuasse escutando aquela linda canção eu também perderia o controle de minhas ações. Fugi para o meio da floresta.

     Continuei caminhando pela trilha e sentia que era observado. Cada passo que eu dava uma folha seca desprendia-se de uma das árvores, mesmo elas estando todas esverdeadas. Comecei a escutar passadas seguindo-me. E a todo momento virava-me para todos os lados tentando ver alguma coisa. A floresta que já era escura envolvia-se cada vez mais em trevas, preparado, acendi uma tocha para iluminar o caminho, porém ela não foi de muito adianto. Nunca tinha visto aquilo, a escuridão naquela mata era densa, o fogo da tocha lutava contra um negrume poderoso que o envolvia. 

*
     Henrique ficou novamente pensativo e a discussão dentro de si foi bradada mais uma vez:

     — Eram trevas, não gosto das trevas. Nós somos as trevas! Preciso sair. Não, não há liberdade é tarde demais. Calem-se! Gosto de ser assim e nada mudará isso. As trevas assustam. Os fracos se assustam. Fui fraco! Fui forte, seu tolo!

 *
      Ele ficou novamente agitado, sacudia as correntes como se testasse sua força, fiquei em pé, pronto para fugir, mas dessa vez Henrique acalmou-se rapidamente e sentou. — Não tema jovem inquisidor, não há mal reservado para você; agora. — Tremi com aquelas palavras, porém fingi não ver a porta fechando sozinha e o som do trinco sendo travado. Precisava ficar tranqüilo se quisesse sair vivo daquela maldita cela, portanto, sentei e me preparei para continuar escrevendo. O Terror continuou falando como se nada houvesse acontecido.

 *

      As trevas eram densas, vi de longe uma silhueta, pensei em atirar, no entanto, sabia que tinha um único tiro, seria arriscar demais; aliás, não sabia se era a Feiticeira Vermelha. Da mesma forma que apareceu, sumiu. Uma voz feminina percorreu todas as árvores, parecia que a própria mata falava:

     — Venha jovem corajoso. Amo-o cada vez mais. Poucos foram tão ousados nesses últimos séculos.
     Um tremor percorreu minha espinha quando, uma luz ofuscou meus olhos e uma turba de morcegos voou em minha direção. Com a espada golpeei para todos os lados, algo totalmente ineficaz. Cai no chão protegendo o rosto e o silêncio imperou novamente. Os chupadores de sangue sumiram e uma risada veio de onde a luz foi emanada. Não seria intimidado; corri rapidamente naquela direção, acabei chegando em um ponto onde a estrada estreitava-se. Duas árvores retorcidas estavam no meio. Balançavam ao vento, notei que a chama da tocha não se mexia. Dei alguns passos para trás. Não sentia nenhum vento capaz de abalar poderosas árvores. Virei para retornar pela trilha, entretanto, a floresta fechou-se atrás de mim.

     — É ele? — Uma voz velha soou.

     — Sim, — outra respondeu atrás — ele quer nos transformar em fogueira e lançar nas chamas nossa amada senhora.

     Alguma coisa parecida com uma corda agarrou minha perna e arrastou-me, tive tempo de desembainhar a espada e cortar, outras vieram na direção, investi contra as árvores com a tocha e o fogo pareceu assustá-las. Havia folhas secas no chão e fiz rapidamente uma fogueira. Elas balançaram e desapareceram na escuridão. Eu estava cansado e com sono, porém, sabia que era impossível dormir em meio a tanta maldição. Prossegui pela trilha.

     A estrada levou-me a uma clareira. No meio do círculo quase deserto existia uma pequena casa. Uma luz vinda talvez de uma lareira iluminava as duas janelas. Não gritei. Meu coração sabia quem era o morador. Os anos de procura agora chegariam ao fim, e meu nome ficaria na história, estranhamente o medo abandonou-me, estava suando de tensão. Preparei a arma e avancei lentamente. Nuvens encobriam o céu, sem lua nem estrelas. A porta estava aberta, empurrei-a. A casa era simples e bem organizada. Tinha um fogão no canto, uma lareira e cadeiras confortáveis estavam espalhadas em torno de uma mesa, sobre ela um jarro com lindas flores. Não sei se era devido o cenário feio da floresta por onde caminhei durante o dia inteiro, mas a casa era bastante bonita. Um gato descansava ao lado das flores. Não um gato comum e nem preto, como eu esperava. Mas um lindo felino de pelos vermelhos e olhos grandes e verdes. Apontei a arma pare ele. Nunca confie no animal de estimação de uma feiticeira. Lentamente ele levantou, desceu e foi em direção da cama. Aconchegou-se sobre almofadas e miou. Alguém falou em minha mente:

     — Seja bem-vindo, Henrique, O Inquisidor.

     Preparei-me para atirar. O animal começou a brilhar e meio ao brilho sua silhueta foi mudando, de tanto andar na escuridão, a luz intensa era insurpotável. Quando a claridade cessou, o gato vermelho tinha transformado-se. Sobre a cama estava uma mulher nua. Seus cabelos eram encaracolados e de um vermelho intenso, os olhos verdes brilhavam com aquela tenra luz, sua pele branca emanava um perfume especial. Tinha lindos seios com grandes bicos. Por um bom tempo fiquei paralisado com aquela magnífica visão. Era totalmente o oposto do que eu esperava encontrar. Um fogo queimava intensamente dentro de mim. Ela sorriu, um sorriso esplêndido, apaixonante. Fez um gesto com a mão me chamando, depois a mão percorreu toda a extensão de suas maravilhosas coxas. Só hoje percebo a tolice que cometi. Joguei a arma no chão juntamente com o restante das coisas. Arranquei minha camisa e me aproximei. Seu perfume inebriava, não consegui parar de me aproximar. Não deixem-se enganar, não era à toa que consideravam-me o mais poderoso. Assim, consegui recuperar a concentração. Aproveitei a proximidade e apertei seu pescoço; a Feiticeira demonstrou uma centelha de medo, no entanto, sorriu lindamente, senti um aroma maravilhoso quando ela falou:

      — Sinta meu corpo ardente, Cavaleiro de Deus!

     Quando percebi, já abraçava-a, sentia um calor intenso, e beijei-a. Tudo escureceu.

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